ARTIGO - Dor Crônica em Pacientes Fibromiálgicos e Oncológicos

 


Dor Crônica, Depressão, Saúde Geral e Suporte Social em Pacientes Fibromiálgicos e Oncológicos

Psic. Jackson Maier - Neuropsicanalista e Psicoterapeuta

Cátia Regina Messias, Felipe Augusto Cunha, Gabriela da Silva Cremasco, Makilim Nunes Baptista - Universidade São Francisco (USF)


Resumo


O objetivo do estudo foi verificar a associação entre sintomatologia depressiva e saúde geral, dor crônica e percepção do suporte social em 80 mulheres, com idades entre 31 e 82 anos (M = 53,86; DP = 12,68), com fibromialgia e/ou câncer. Entre os principais resultados, verificou-se que a sintomatologia depressiva e os outros construtos investigados estiveram associados entre si. 

Os pacientes com sintomatologia depressiva apresentaram maior quantidade de pontos dolorosos e maior frequência e intensidade de dor, demonstrando uma correlação de magnitude fraca e positiva (r = 0,37). Observou-se também uma correlação de magnitude fraca (r = -0,20) entre a EBADEP-HOSPAMB e EPSUS, indicando que, quanto mais sintomas depressivos, menor a percepção do suporte social recebido. Por fim, os resultados do estudo mostraram que o nível de dor interfere diretamente na qualidade de vida do sujeito, podendo ser um fator que estimula o desenvolvimento de condições psicossociais, tais como a depressão e menor percepção do suporte social.


Introdução


A dor é definida, conforme a Associação Internacional para o Estudo da Dor (Merskey, 1986), como relacionada a um dano tecidual atual ou potencial e caracterizada por experiências sensoriais e emocionais desagradáveis. Santos, Pereira, Resende, Magno e Aguiar (2006) relataram que a dor é entendida como uma experiência sensorial complexa e que se altera a partir da memória, expectativas e emoções, além de se tratar de uma evidência de alterações da integridade física e/ou emocional das pessoas. 

A dor crônica afeta os aspectos físico, psicológico e social dos pacientes, além de gerar prejuízos em diferentes âmbitos da sua vida, ocasionando preocupações, sentimento de incapacidade, incertezas e medos na vida dessas pessoas (Loduca et al., 2014). Entre os grupos de pacientes com maiores queixas de dor crônica, há aqueles com fibromialgia e câncer. A fibromialgia, também chamada de síndrome fibromiálgica musculoesquelética (SFM), refere-se a uma das doenças reumáticas mais comuns, sendo caracterizada principalmente por dores musculoesqueléticas difusas e crônicas (Heymann et al., 2010). Já o câncer corresponde ao crescimento desordenado de células que atingem órgãos e tecidos e que pode se expandir para outras áreas do corpo, sendo responsável por 5% dos casos de dor crônica. Trata-se de um problema de saúde pública de nível mundial, com predomínio de cânceres de pulmão, mama, próstata e cólon nos países desenvolvidos, e cânceres de estômago, fígado, cavidade oral e colo do útero nos países em desenvolvimento (Instituto Nacional de Câncer [INCA], 2016).

A prevenção da dor se faz importante, e sua evolução deve ser constantemente monitorada, de modo a proporcionar intervenções adequadas para o seu controle (Jales, 2009). A ausência de tratamento adequado para a dor e o sofrimento psíquico do paciente podem desencadear uma expressão de sofrimento mais intensa do que o induzido pela patologia orgânica de base, resultando em uma maior possibilidade de insucesso em seu tratamento (Salazar & Motta, 2013). Outros fatores relacionados à baixa adesão ao tratamento foram discutidos por Souza et al. (2014), tais como os efeitos colaterais dos remédios, crenças relacionadas ao tratamento, problemas na comunicação com a equipe de saúde e baixa percepção de suporte social. Em relação ao suporte social especificamente, Pedroso e Sbardelloto (2008) discorreram que ele pode auxiliar na adesão do paciente com dor crônica ao tratamento, funcionando como um aspecto importante para o enfrentamento e a adaptação diante de doenças.

É importante frisar a necessidade de avaliar a presença e severidade da dor a partir do relato do paciente, levando-se em conta o significado que a dor tem para ele, suas fantasias e medos em relação à progressão da doença. Tendo em vista que nem sempre a dor crônica é controlável, o paciente passa a ter de conviver com ela e com as limitações decorrentes, sendo que os pacientes que demonstram maior aceitação tendem a relatar menos sintomas depressivos, por exemplo (McCracken, 1998). 

Psic. Jackson Maier - Neuropsicanalista e Psicoterapeuta - ACESSE AQUI




Indivíduos com dor crônica comumente apresentam alguma comorbidade psíquica, principalmente a depressão, ocasionando em incapacidade, além de impactos na qualidade de vida, convívio familiar e social. Eis a importância de um acompanhamento psicoterapêutico por profissional qualificado. Um exemplo é o estudo de Wilson et al. (2009), em que os participantes que tinham dor moderada a extrema tinham até duas vezes mais chance de apresentar sintomas de depressão (χ2 = 5,89, p = 0,015) e quase três vezes mais ansiedade (χ2 = 15,43, p < 0,001).

Buscando verificar a prevalência de sintomatologia depressiva em pacientes com fibromialgia e sua associação com qualidade de vida, Berber, Kupek e Berber (2005) realizaram um estudo. Participaram 70 pacientes, que responderam ao General Health Questionnaire (GHQ-28) e ao Medical Outcome Short Form Health Survey (SF-36). Os resultados indicaram depressão leve em 32,9% da amostra, depressão moderada em 21,4% e depressão severa em 12,9%. 

Além disso, a depressão se relacionou positivamente com a diminuição da qualidade de vida em relação às escalas de condicionamento físico, funcionalidade física, percepção da dor, funcionalidade social, saúde mental, funcionalidade emocional e percepção da saúde geral. Ferreira et al. (2015) avaliaram possíveis sintomas de depressão em um grupo específico de mulheres com dores crônicas no joelho, para observar se essas dores tendem a interferir na qualidade de vida desses indivíduos e aumentar as chances de desenvolver depressão. 

Participaram 75 mulheres, com média de 67 anos, sendo 40 com diagnóstico de dores crônicas nos joelhos e 35 sem a presença de dor. Foram aplicados o Inventário de Depressão de Beck (BDI) e SF-36. As mulheres com dores no joelho pontuaram mais sintomas de depressão (57,5%), além de apresentar qualidade de vida inferior (58,2%) comparada com o grupo sem relato de dor. 

Tojal e Costa (2014) conduziram também um estudo a respeito do impacto do câncer de mama na avaliação da depressão e percepção do suporte social. A pesquisa contou com 150 mulheres diagnosticadas com câncer, com idades entre 20 e 79 anos, que responderam à Escala Reduzida de Ajustamento ao Câncer, o SF-36 e o BDI. Os principais resultados demonstraram que, à medida que as mulheres apresentaram maior idade (mais de 50 anos), maior foi a possibilidade de terem visões mais negativas e fatais sobre a doença. Verificou-se também que, quanto maior a percepção do suporte social, menor é o descontentamento da pessoa com a sua doença e maiores as chances de demonstrar pensamentos positivos de enfrentamento. O estudo de Santos, Garcia, Pacheco, Vieira e Santos (2014) teve como objetivo avaliar a qualidade de vida, dor e depressão em pacientes com câncer de reto. Foram selecionados e avaliados 88 pacientes; destes, somente 41 sobreviveram à operação e, por fim, foram convocados à avaliação final. Os instrumentos utilizados para avaliar a qualidade de vida foram o European Organisation for Research and Treatment of Cancer (EORTC), Colorectal Cancer-Specific Quality of Life Questionnaire Module (QLQ-C30) e o Colorectal Cancer-specific Quality of Life Questionnaire Module (QLQ-CR38); para a intensidade da dor, utilizou-se a Escala Visual Analógica e Escala de Estado Geral de Saúde; e, para depressão, utilizou-se o BDI. 

Os principais resultados demonstraram que 52% dos pacientes apresentaram dor e 47% tiveram sintomas de depressão. Houve também correlação positiva forte entre intensidade dolorosa e depressão (r = 0,71), além de correlação negativa moderada entre depressão e qualidade de vida (r = -0,45). 

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A partir dos estudos supracitados, observa-se como a dor crônica tende a influenciar diretamente no desenvolvimento de alguns transtornos mentais, tais como a depressão e na percepção do suporte social. Nesse sentido, o presente estudo teve como objetivo avaliar a associação entre sintomatologia depressiva e saúde geral, dor crônica e percepção do suporte social em mulheres com fibromialgia e câncer.


Método

Participantes

Participaram 80 mulheres, com idades entre 31 e 82 anos (M = 53,86; DP = 12,68), sendo a maioria casadas (70%) e viúvas (15%), de quatro instituições de saúde (um ambulatório de oncologia, um ambulatório de especialidades médicas e duas clínicas de dor) de três cidades do interior do estado de São Paulo. Em relação ao diagnóstico, 31 (38,8%) delas afirmaram ter o diagnóstico de câncer; nove (11,3%), câncer e outras dores crônicas; 12 (15,0%), síndrome fibromiálgica musculoesquelética (SFM); cinco (6,3%) apresentaram SFM com câncer juntos; oito (10,0%), SFM e outras dores crônicas; e o grupo de dor crônica diversa totalizou 15 (18,8%) mulheres.

Instrumentos

Questionário Sociodemográfico/Saúde: composto por questões referentes a sexo, idade, além de diagnóstico de depressão. Escala Baptista de Depressão (Versão Hospital-Ambulatório) – (EBADEP-HOSP-AMB) (Baptista, 2013): trata-se de um instrumento de rastreio de sintomas da depressão, sendo direcionado a amostras ambulatoriais/hospitalares. A escala, com sua versão preliminar, foi constituída por 43 itens, em escala do tipo Likert de três pontos, com pontuação mínima de zero e máxima de 86 pontos. O instrumento foi construído a partir de indicadores sintomáticos de depressão, com exceção dos descritores vegetativos/somáticos. Os indicadores foram provenientes das teorias cognitiva (Beck, Rush, Shaw, & Emery, 1997) e comportamental (Ferster, Culbertson, & Boren, 1977), além dos manuais internacionais de diagnóstico da Associação Americana de Psiquiatria, DSM-IV-TR (APA, 2002), e da Organização Mundial de Saúde, CID-10 (OMS, 1993). No estudo de Cremasco e Baptista (2018), foram verificadas as propriedades psicométricas do instrumento, que apresentou índices de fidedignidade adequados, tanto para o fator 1 (0,95) quanto para o fator 2 (0,89), com variância total explicada de 56%. 

Questionário de Dor McGill (Br-MPQ) (Melzack, 1975): o instrumento adaptado para uso no Brasil por Pimenta e Teixeira (1996) tem como objetivo obter medidas qualitativas de dor e sua intensidade. Avalia as qualidades sensoriais, afetivas, temporais e miscelânea da dor. Apresenta uma avaliação da distribuição espacial, tendo quatro grupos. O primeiro deles é o sensitivo-discriminativo, que se refere às propriedades mecânicas, térmicas, de vividez e espaciais da dor; afetivo-motivacional, que corresponde à dimensão afetiva de aspectos de tensão, medo e respostas neurovegetativas; cognitivo-avaliativo, que possibilita ao paciente indicar a avaliação global da experiência dolorosa; e miscelânea, o qual consiste na compilação de diversos descritores de dor que não se encaixam nos outros grupos. O questionário contém ainda uma escala de intensidade que varia de 0 a 5, um diagrama corporal para representação do local da dor e caracterização da periodicidade e duração da queixa álgica. A consistência teste-reteste foi de 0,94. 

Questionário de Saúde Geral de Goldberg – (QSG) (Goldberg, 1972): o instrumento foi adaptado por Pasquali, Gouveia, Andriola, Miranda e Ramos (1994) e tem como objetivo identificar a gravidade de distúrbios psicológicos. É composto de 60 itens, em uma escala do tipo Likert de quatro pontos, contendo cinco fatores, sendo esses o Estresse Psíquico, Desejo de Morte, Falta de Confiança na Própria Capacidade de Desempenho, Dísturbios do Sono e Dísturbios Psicossomáticos. O índice de confiabilidade para a pontuação total do instrumento foi de 0,95. 

Escala de Percepção de Suporte Social (Versão Adulto) – (EPSUS-A) (Cardoso & Baptista, 2014): instrumento que tem por objetivo avaliar a satisfação com o suporte social recebido. É composta por 36 itens, em escala do tipo Likert de quatro pontos, com pontuação variando entre zero e 108, divididos em quatro fatores, denominados de Afetivo, Interações Sociais, Instrumental e Enfrentamento de Problemas. O instrumento foi desenvolvido a partir do conceito de suporte social de Rodriguez e Cohen (1998). O índice de confiabilidade por meio do alfa de Cronbach foi de 0,92 para o fator Afetivo, 0,75 para Interações Sociais, 0,82 no fator Instrumental, alfa de 0,83 para Enfrentamento de Problemas. A confiabilidade total do instrumento foi de 0,94.

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Procedimentos

Após autorização das instituições e da aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade São Francisco, sob protocolo de número 365.350, as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os instrumentos foram aplicados de forma individual, tendo como primeiro instrumento o Questionário Sociodemográfico/Saúde, seguido do Questionário de Dor McGill (Br-MPO), da Escala Baptista de Depressão (Versão Hospital-Ambulatório) – EBADEP-HOSP-AMB, do Questionário de Saúde Geral de Goldberg (QSG) e da Escala de Percepção de Suporte Social (EPSUS-A). tempo de aplicação foi de, aproximadamente, uma hora e trinta minutos.

Análise de Dados

Os dados foram analisados por meio do programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences - versão 21.0), sendo adotado o nível de significância de 5%. Para verificar as correlações entre as escalas, foi utilizado o Teste de Correlação de Pearson, segundo a classificação proposta por Dancey e Reidy (2006); e, para a análise de possíveis diferenças de médias, foi utilizado o Teste t de Student para dois grupos.

Resultados

Os resultados referentes à intensidade da dor demonstraram que 43 (53,8%) das participantes classificaram a dor como moderada; 28 (35,4%), como intensa; e oito (10,8%), como leve. Quanto à frequência semanal de dor, 51 (63,8%) participantes sentem a dor por sete dias da semana, enquanto sete (8,8%) sentem por três dias na semana. Quanto à classificação de intensidade atual da dor, 28 (35%) participantes disseram ser desconfortante; 22 (27,5%), horrível; e 20 (25%), angustiante. Em se tratando do humor, 35 (43,8%) relataram apresentar diagnóstico de depressão e 28 (35%) faziam uso de medicamentos para depressão. 

Foram verificadas as correlações entre os instrumentos, sendo encontrada uma magnitude fraca e positiva (r = 0,37; p < 0,05) entre a quantidade de pontos dolorosos do McGill e a EBADEP-HOSP-AMB, indicando que, quanto maior a presença de pontos dolorosos, maior a sintomatologia depressiva. Verificou-se magnitude moderada e positiva entre a EBADEP-HOSP- AMB e os fatores do QSG, que variaram entre (r = 0,49; p < 0,05) e (r = 0,64; p < 0,05), com exceção do fator Distúrbio do Sono, que apresentou magnitude fraca (r = 0,39; p < 0,05), sugerindo que, à medida que os sintomas de depressão aumentam, maior se torna a presença de estresse psíquico, desejo de morte, presença de distúrbio psicossomático, distúrbio do sono e falta de confiança na própria capacidade de desempenho. As correlações entre a EBADEP-HOSP-AMB e as dimensões da EPSUS variaram entre (r = -0,48; p < 0,05) e (r = -0,62; p < 0,05), com exceção da dimensão Instrumental, que apresentou magnitude fraca (r = -0,20; p < 0,05), indicando que, quanto mais sintomas depressivos, menor a percepção do suporte social recebido. 

É válido dizer que a estatística inferencial utilizada neste trabalho considerou todos os diagnósticos como um só grupo, tendo em vista que, independentemente dos diagnósticos, os grupos que inicialmente foram separados (Grupo de Câncer, Grupo de SFM, Grupo de Dor Crônica Diversa, SFM com Câncer Juntos, SFM e Outras Dores Crônicas e Câncer e Outras Dores Crônicas) não diferenciaram as principais variáveis relacionadas com a dor. Assim, foi conduzida uma análise para verificar possíveis diferenças de média entre o grupo de pessoas que relataram diagnóstico de depressão e o grupo que indicou não ter o diagnóstico em relação à pontuação nas escalas de depressão, saúde geral e suporte social. 

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Os resultados obtidos podem ser verificados na Tabela 1.

Tabela 1

Diferenças de média entre grupo que relatou ter diagnóstico de depressão (N= 35) e grupo que relatou não ter diagnóstico (N = 45)

Instrumento Diagnóstico de Depressão Média DP t PEBADEP -HOSP-AMB Não, Sim

15,62

31,42

11,51

14,71 -5,39 0,001

EPSUS - Afetivo Não, Sim

41,65

32,14

9,80

13,62 3,47 0,001

EPSUS - Interações Sociais Não, Sim

9,15

7,05

4,07

3,92 2,32 0,023

EPSUS - Instrumental Não, Sim

13,93

12,57

5,74

5,41 1,07 0,284

EPSUS - Enfrentamento de Problemas Não, Sim

15,64

12,31

4,36

6,75 2,53 0,014

EPSUS - Total Não, Sim

80,45

64,08

20,74

26,53 2,99 0,004

QSG - Estresse Psíquico Não, Sim

25,24

33,00

13,15

12,55 -2,66 0,009

QSG - Desejo de Morte Não, Sim

10,62

14,08

6,93

8,42 -2,01 0,047

QSG - Desconfiança na própria capacidade de desempenho Não, Sim

37,24

43,94

12,89

13,94 -2,22 0,029


Instrumento Diagnóstico de Depressão Média DP t P

QSG - Distúrbio do Sono Não, Sim

11,08

15,31

Eis a importância de um acompanhamento psicoterapêutico por profissional qualificado. 

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